Quando o médico afirmou
que precisava cortar a massa
passou a usar a faca
para comer o macarrão...
Corpo esguio e elegante. Braços largos, firmes e abertos, demarcando o território por onde ela não passaria. Um dia, uma vértebra partida baixou para sempre os braços. Agora jogado a um canto, a chuva o consumia...
Desprendeu-se de todos no exato momento em que o pão foi partido ao meio. Sentiu-se despencar do alto e desejou desesperadamente que pudessem escutá-la. Já dava tudo por perdido quando, ouvindo um bater de asas, sentiu seu pequeno corpo ser suspendido pelo bico. Enfim, ainda pensou, cumpriria seu destino. E soltou um último suspiro...
Quando a claridade alumiou, piscou as pequenas lantejoulas restantes. Há quanto não via a luz! Mas a breve alegria foi levada pela dor alucinante de sentir seus botões arrancados, um a um. Uma fileira inteira deles. Depois, como se dilacerassem sua alma, sentiu despregar a pequena faixa de renda francesa. Por último a escuridão. E permaneceu para sempre esquecido no fundo do velho baú...
Numa situação assim é inevitável pensar no que deveríamos ter feito, nas pessoas que precisamos reencontrar antes que também resolvam partir, no que ainda é preciso realizar. Pensei naquilo que falarão de mim quando for a minha vez de partir e me dei conta de que ainda tenho muito pra melhorar!
Quando estamos vulneráveis, nos agarramos naquilo que possa nos fortalecer. Nessa situação tão singular, encontrei pessoas queridas. Abracei. Falei do passado. Fiz promessas de manter o contato. A morte escancara a linha tênue da vida. A brevidade do tempo. A efemeridade das coisas. Olhei pro rosto das pessoas, tristes com a despedida e que buscavam na memória histórias de bons momentos - e quantos eram! Percebi que mesmo que nunca mais encontremos algumas pessoas, elas estarão sempre ali, num lugar especial dentro da gente.
A tristeza é um sentimento estranho. Ela dói, mas é calma. Fica ali segurando suas mãos por um longo tempo. Voltei pra casa abraçada com a tristeza, pensando nas lembranças, na saudade e no livro que jamais será devolvido...