segunda-feira, 31 de agosto de 2009

dieta

foto de Alexandre Chang




Quando o médico afirmou

que precisava cortar a massa

passou a usar a faca

para comer o macarrão...





domingo, 23 de agosto de 2009

guarda-chuva





Corpo esguio e elegante. Braços largos, firmes e abertos, demarcando o território por onde ela não passaria. Um dia, uma vértebra partida baixou para sempre os braços. Agora jogado a um canto, a chuva o consumia...





quinta-feira, 20 de agosto de 2009

migalha

foto Loua



Desprendeu-se de todos no exato momento em que o pão foi partido ao meio. Sentiu-se despencar do alto e desejou desesperadamente que pudessem escutá-la. Já dava tudo por perdido quando, ouvindo um bater de asas, sentiu seu pequeno corpo ser suspendido pelo bico. Enfim, ainda pensou, cumpriria seu destino. E soltou um último suspiro...




ciranda

imagem google



"Vem menina,
dê-me agora a sua mão
que a roda gira, não pára
que a vida roda não passa...
Rosa flor que tem espinho
vento leve, passarinho,
na cantiga vem e vão.
É que a luz e que a força
que se escondem na garganta,
correm soltas nesta roda
voltam, giram na ciranda
quando pego sua mão"




terça-feira, 18 de agosto de 2009

vestido

imagem google



Quando a claridade alumiou, piscou as pequenas lantejoulas restantes. Há quanto não via a luz! Mas a breve alegria foi levada pela dor alucinante de sentir seus botões arrancados, um a um. Uma fileira inteira deles. Depois, como se dilacerassem sua alma, sentiu despregar a pequena faixa de renda francesa. Por último a escuridão. E permaneceu para sempre esquecido no fundo do velho baú...





segunda-feira, 17 de agosto de 2009

alma


foto H.C.Bresson


Minh’alma não tem forma

não tem cor

não tem cheiro

e eu não a tenho.

Minh’alma estende-se prazerosa pela minha forma

pela minha cor

pelo meu cheiro

e ela é que é dona de mim...





domingo, 16 de agosto de 2009

lágrima


(imagem Google)

Nasceu assim de improviso, gotejando pelo canto do olho. Cresceu lerda, arrastando-se cristalina pela face quente e foi se desfazer - gota de sal- nos lábios. Não houve tempo para conhecer o motivo de sua existência.




sábado, 15 de agosto de 2009

lâmpada

foto de Ma Jötten



Nasceu para iluminar! Para abrir espaços entre a escuridão, contudo, não estava preparada para velhas instalações. Queimou-se...





quem tem boca...

foto de Flávio Brandão

Gabava-se de ter as escamas mais brilhantes e de possuir nadadeiras muito hábeis. Desafiou o anzol e morreu pela boca...




o livro que não devolverei

(imagem Google)

Ontem a tarde estava linda! Céu azul e limpo. O sol trazia um calorzinho acolhedor. De onde estava podia ver as montanhas do Vale e ouvir os pássaros cantando. Tudo o que via e sentia naquela tarde era de uma beleza triste. E minha cabeça rodava um filme antigo... Eu estava em um cemitério, enterrando alguém que admirava! Sabe uma daquelas pessoas que você tem certeza de que nunca irão embora? E que quando vão, foram cedo demais? Não consegui deixar de pensar no livro emprestado, que ainda estava comigo e das várias vezes que planejamos a devolução. Um livro lindo do Eugênio Barba – intenso e poético! Pensei na faculdade, nos colegas, nos desafios, nas risadas, nas orientações e nas lágrimas durante a apresentação do TCC e nas inúmeras coisas que vivi neste período.

Numa situação assim é inevitável pensar no que deveríamos ter feito, nas pessoas que precisamos reencontrar antes que também resolvam partir, no que ainda é preciso realizar. Pensei naquilo que falarão de mim quando for a minha vez de partir e me dei conta de que ainda tenho muito pra melhorar!

Quando estamos vulneráveis, nos agarramos naquilo que possa nos fortalecer. Nessa situação tão singular, encontrei pessoas queridas. Abracei. Falei do passado. Fiz promessas de manter o contato. A morte escancara a linha tênue da vida. A brevidade do tempo. A efemeridade das coisas. Olhei pro rosto das pessoas, tristes com a despedida e que buscavam na memória histórias de bons momentos - e quantos eram! Percebi que mesmo que nunca mais encontremos algumas pessoas, elas estarão sempre ali, num lugar especial dentro da gente.

A tristeza é um sentimento estranho. Ela dói, mas é calma. Fica ali segurando suas mãos por um longo tempo. Voltei pra casa abraçada com a tristeza, pensando nas lembranças, na saudade e no livro que jamais será devolvido...